Sunday, January 31, 1999

O Contrato (ii)

Assinado na Suíça, o contrato entre a Nike e a CBF não segue as leis brasileiras. Segundo o disposto no contrato, os jogadores teriam de usar chuteiras Nike na seleção, mesmo que tivessem contrato com outras empresas. O contrato proíbe até que os atletas escondam de alguma forma a logomarca da Nike nas chuteiras que usam (...) A ilegalidade foi tão flagrante que esses dispositivos foram abandonados no primeiro amistoso de 1997. Jogadores consagrados da seleção brasileira, como o zagueiro Aldair e o volante Dunga, recusaram-se a usar o produto concorrente ao do seu patrocinador.
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Esse não foi o único ponto de atrito entre atletas da seleção brasileira e a Nike. No início de junho, a menos de uma semana da estréia na Copa do Mundo da França, a equipe nacional cancelou um treinamento para comparecer à inauguração da "República do Futebol", um enorme estande da Nike no "Arch de la Défense", na periferia de Paris. Nenhuma outra seleção patrocinada pela Nike, como Nigéria e Holanda, compareceu. O capitão Dunga criticou o evento, afirmando que a seleção precisava de treinos para disputar o Mundial, cuja decisão disputou e perdeu.

O Contrato (i)

A Confederação Brasileira de Futebol cedeu parte de seu controle sobre a seleção brasileira ao assinar contrato com a Nike em 1996. Pelo instrumento, a principal equipe de futebol do mundo não pode mais escolher seus adversários apenas de acordo com o planejamento da comissão técnica.

A Folha obteve uma cópia em português do maior contrato de patrocínio da história do esporte brasileiro. Pelo item 8.4 do acordo, a Nike vai escolher o adversário do Brasil em 50 amistosos ao longo dos dez anos de parceria. A CBF só tem poder real sobre a data dos jogos, não sobre os oponentes.
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Segundo o mesmo item, a seleção terá que fazer em 1999 pelo menos cinco amistosos organizados pela patrocinadora, pois no ano passado realizou apenas três (Alemanha, Athletic Bilbao e Equador). Está determinado ainda que nos jogos organizados pela Nike terão de estar presentes oito titulares.Ou seja, nos amistosos "técnicos", (diferentemente dos da Nike, que são "promocionais"), em que poderá escolher o adversário da seleção, o técnico Wanderley Luxemburgo não deverá ter em campo seus principais jogadores. Segundo regulamentação da Fifa, as seleções só podem requisitar atletas que atuam no exterior em cinco amistosos por ano.
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Mais: nos amistosos da Nike, a CBF não recebe um centavo e ainda tem de pagar as diárias dos jogadores e da comissão técnica. Mas a maior ingerência da empresa está nos jogos que ela não organiza. Pelo contrato, a CBF concorda em não disputar amistosos na Europa, nos EUA, no Japão e na Coréia do Sul caso a Nike "pretenda marcar" no respectivo local um de seus amistosos daquele ano.Por exemplo, a seleção teria que deixar de enfrentar a Alemanha em fevereiro caso a Nike planejasse um amistoso contra esse país no final daquele ano.

Diferentemente do que alardeou seu presidente, Ricardo Teixeira, ao anunciar a assinatura do contrato no final de 1996, a CBF não irá receber US$ 220 milhões pelos dez anos de parceria. O total é de US$ 170 milhões mais o fornecimento de material esportivo e o pagamento de parte das despesas com transporte e hospedagem. Desses US$ 170 milhões, US$ 10 milhões foram para a Umbro, cujo contrato com a CBF foi rompido para a entrada da Nike. Para se chegar aos US$ 220 milhões citados por Teixeira, é preciso adicionar US$ 43 milhões que só serão pagos à CBF se ela renovar o contrato. E esse valor nem ao menos serve como luva para a renovação. É, isso sim, um valor mínimo que a entidade receberia por mais quatro anos de parceria.
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Um dos pontos obscuros do acordo Nike-CBF é o quanto recebe a empresa de marketing esportivo Traffic, qualificada como "titular de certas marcas registradas e outros direitos de propriedade pertencentes à CBF". O texto especifica apenas que isso é assunto entre a CBF e a Traffic, cujo dono oficial é J. Hawilla e cujo sócio oculto, segundo o vice de futebol do Vasco, Eurico Miranda, seria o próprio Teixeira.

Outras cláusulas do contrato deixam a CBF com pouco poder para buscar novos patrocinadores. Se por acaso quiser arrumar um substituto para a Coca-Cola, terá de dar preferência para a Nike e, se essa recusar, terá de apresentar o novo parceiro no mínimo um ano antes do final do contrato com o patrocinador. Se um dia quiser se livrar da Nike, vai ser muito mais difícil. Primeiro, só pode começar a procurar um novo parceiro se a Nike recusar seu pedido mínimo. Segundo, isso só pode acontecer no último ano de contrato. Por último, a CBF não pode assinar com nenhum outro fornecedor por um valor que a Nike esteja disposta a pagar, mesmo que espere o final do contrato.